sábado, 12 de janeiro de 2019

ROSE CONVERSA COM ENEAS SOBRE O POEMA DE A CRISTINA CESAR

O tempo fecha.
Sou fiel os acontecimentos biográficos.
Mais do que fiel, oh, tão presa! Esses mosquitos
que não largam! Minhas saudades ensurdecidas
por cigarras! O que faço aqui no campo
declamando aos metros versos longos e sentidos?
Ah que estou sentida e portuguesa, e agora não
sou mais, veja, não sou mais severa e ríspida:
agora sou profissional.

( A TEUS PÉS. ANA CRISTINA CESAR) 


Eneas – Rose, não entendo nada deste poema. Essa poetisa é meio louca?


Rose - Claro que não. Era lúcida demais. Fazia parte da turma que distribuía poemas xerocados ( mimeografados, melhor dizendo, usavam um aparelho parecido ao de Xerox), pois não queria passar pelas editoras. Era o tempo da ditadura, escrever era perigoso, havia censura, cadeia, tortura. Então os textos são herméticos, mais difíceis de compreensão. E, sobretudo, livres, meio nonsense.

Mas não deixam de lado os paradigmas dos modernistas... Preste atenção a isso!

Eneas- O que ela quer dizer com ‘ o tempo fecha’?

Rose – Eneas, nem tudo que aparece no texto de Ana Cristina precisa ser compreendido. Você busca pedaços de pano, ou faça assim como quem pega pulga. Se não compreender 'o tempo fecha' siga em frente na leitura.
MAS 'O TEMPO FECHA' PODE SIGNIFICAR QUE VAI CHOVER; OU QUE A SITUAÇÃO VAI FICAR CONFLITUOSA. 
EM POESIA OS SENTIDOS DANÇAM UNS SOBRE OS OUTROS. APREENDA O MAIS PRÓXIMO DOS OUTROS QUE VIRÃO E QUE FAÇAM UM OU OUTRO SENTIDO.

Perceba que o poema tem um jogo metalinguístico. Ela questiona o seu fazer poético. Esse é o ponto!

Eneas- Ela não tinha segurança em si? Do que escrevia?

Rose – Não é isso. Isso que você chama de insegurança faz parte de todos que são artistas e lidam com a construção da arte. Quem cria e tem consciência do que seja criar é inseguro. Mas há quem crie e nem pense muito pois não sabe bem teorias etc.

Esqueça ‘ o tempo fecha’ e avance...

Sou fiel os acontecimentos biográficos.
Mais do que fiel, oh, tão presa’

Perceba que ela busca seguir um método, parece que imposto a ela, que gosta e não gosta de ter regras. Sabe que ela se diferenciou dos amigos da chamada Geração Mimeógrafo, justo porque sabia muito sobre literatura. Fez cursos. E fez a PUC - e na PUC quem é escritor pode ficar um pouco confuso. A geração dela queria liberdade mas a PUC ensina que para escrever é preciso obedecer um método, ter consciência do fazer poético.

Perceba que aí ela mostra o seu fazer poético, assim como mostramos os bastidores dum programa de tevê. Sabe o lado do avesso de um bordado? Sabe o que é bordado? A geração z não sabe alguns tópicos do passado... rs
Ela abre seu engenho ao olho do receptor. Mostra o que pensa e no que pensa há sua técnica de escrever. Entendeu? É um jogo. Escrever é jogar pesado, meu caro.

Ela quer ser fiel à biografia. Nem sei de que biografia está falando. Não sabemos se é a dela. Mas ela quer essa fidelidade a x coisa. Porém, expõe que a fidelidade – talvez um ponto bom para a construção do texto que ela quer fazer – a prende, a tolhe, aperta.

Na sequência ela vem com os mosquitos e com as cigarras. Podemos pensar: será que quando ela escreveu isso estava no meio do mato? Parece que não pois tem saudades das cigarras. Mas o que exato essas metáforas apontam? Não perca a dimensão da conotação, Ana Cristina é toda conotação e raciocínio.

Amarre ao que veio antes: se biografias prendem, se mosquitos não largam... Daí as saudades das cigarras cujo som é ensurdecedor mas, quem sabe, mais soltos, livres? Líricos demais e livres líricos e livressssssss ( olha as cigarras cantando: sssssssssss)

Construir um poema tendo de obedecer à força pode ser chato e tedioso com ter um mosquito voando em torno de nós, Eneas.

Eneas – Mas, Rose, o que podem pedir na Unicamp sobre isso tudo?

Rose – Não sei bem. Pois acho o livro complexo para vocês da geração z. Podem pedir a metalinguagem, que é o poema que fala sobre o ato de fazer poema. Essa é a máxima que vejo neste texto que não tem sonoridade. Não tem o rato roeu a roupa do rei de Roma e nem VOZES VELOZES VELUDOSAS VOZES. FALTA MELOPEIA.

Eneas- o que é melopeia?

Rose – é o som de um poema. Os textos românticos são lotados de aliteração, assonância, rimas. Este texto não tem sonoridade ritmada. Ele é mais pensar o ato de escrever e imagens e mais imagens e algumas incompreensíveis, mas tudo bem. Poema não é só para compreender, pode bagunçar também. Essa do mosquito, por exemplo é metáfora evidente. Algo incômodo!

Creio que a Unicamp vai pedir isso, a construção do texto. Una figuras de linguagem umas às outras e você pega sentidos vários e possíveis.

Perceba aqui, Eneas, como o eu lírico, vamos falar Ana? A Ana joga-se ao ato de escrever, mas parece surpresa entre o desejo de se soltar e as amarras que aprendeu na PUC sobre o fazer poético: ‘’O que faço aqui no campo declamando aos metros versos longos e sentidos?’’

Eneas – Mas é isso, Rose, vão pedir uma compreensão mínima que eu faço, unindo imagens. Meio quebra-cabeça?

Rose – é isso.... Veja aqui: ‘’Ah que estou sentida e portuguesa, e agora não sou mais, veja, não sou mais severa e ríspida: agora sou profissional.’’.

Ela se cobra o sentir tão português ( Conhece português? Somos muito sentimentais, ora bravos ora chorões). Porque aprendeu que o poema, ainda que fale da dor, não é propriamente a dor mas a construção da dor.

Pessoa dizia que o poeta é o fingidor,finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente.

Ana Cristina trabalha justo essa consciência de que escrever vai além de queixar-se de dores, ou exultar alegrias.

Perceba que no final, já controlando a emoção e consciente de que texto é construção de sentido e forma etc escreve: ‘e agora não
sou mais, veja, não sou mais severa e ríspida:
agora sou profissional.’’

Ela sabe que ser profissional de escrita é dominar a linguagem e transformar a emoção em um construto feito um cata-vento.

Eneas – ai ai, Rose, estou preocupado com esta poetisa. Tomara não peçam ... amanhã na Unicamp.

Rose´- Pare com isso. Você é chatão.











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